Publicado 14 de julho de 2020 19:34. última modificação 15 de julho de 2020 09:41.

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Pense Brasil Virtual discutiu a necessidade de enfrentamento das desigualdades

Com mediação do presidente da Fundação João Mangabeira, Ricardo Coutinho, o Pense Brasil Virtual da última segunda-feira, 13 de julho, reuniu o teólogo Leonardo Boff, o sociólogo Emir Sader e o Deputado Federal Bira do Pindaré (PSB MA). Transmitido pelas redes sociais da Fundação, o evento teve como tema as “Lições da pandemia para o enfrentamento das desigualdades: o sistema está nu!”.

O encontro superou o objetivo de debater como a pandemia de Covid-19 revelou de forma mais incisiva as enormes crises políticas, sociais e econômicas presentes em nossa sociedade, e como podemos nos articular enquanto Estado, sociedade civil e demais instituições para promover um novo modelo de cuidado e atenção aos mais necessitados.

Ricardo Coutinho deu início ao debate destacando a pandemia como um registro histórico que paralisou o mundo e fez com que todos voltassem a discutir os caminhos por onde a política e a economia estavam indo. “No Brasil, saímos de um processo de redemocratização e da Constituição de 1988, que dialogava com ideias de inclusão social. Passamos por dois governos Lula e o da presidenta Dilma Rousseff – 13 anos de um governo de centro-esquerda que ampliou a inclusão social, porém não conseguiu fazer algumas reformas estruturantes que pudessem impedir esses pensamentos golpistas que existem no seio de parcela significativa de nossas elites e que infelizmente contaminaram boa parte de nossa sociedade. Então, ocorreram as manifestações de 2013, uma sublevação que ninguém ainda conseguiu explicar, e percebe-se que houve uma manipulação de mentes que só poderia ser explicada pela neurociência. Caímos então num golpe parlamentar e chegamos hoje, a partir de 2018 a eleger alguém com o perfil de Jair Bolsonaro”, discorreu Coutinho.

O teólogo Leonardo Boff saudou os participantes e especialmente Ricardo Coutinho pela introdução ao debate. Boff lembrou ainda que “Deve-se pensar o Brasil também perante o jogo das forças mundiais, e, no contexto brasileiro, das várias sombras que nos acompanham. Somos a consequência daquilo que a Casa Grande introduziu, que são as oligarquias que nunca aceitaram alguém que veio da condição da senzala – do mundo dos pobres e marginalizados – como o ex-presidente Lula, chegasse ao centro do poder. E quando as elites se deram conta que uma visão mais social iria se institucionalizar e se perpetuar, aplicaram o golpe”, apontou o doutor em Filosofia e Teologia pela Universidade de Munique.

“A direita brasileira até hoje não dorme com o fantasma do PT, do Lula ou da volta de um governo democrático”, continuou o sociólogo Emir Sader. “Hoje Bolsonaro se apoia em três pilares, que são parte do empresariado, os militares e a aliança com o centrão – depois de perder Sérgio Moro – para tentar evitar o impeachment. Muitos setores não gostam de Bolsonaro e o rejeitam, entretanto, têm medo de uma crise política aberta em que eventualmente a esquerda possa voltar a governar o país”, disse o doutor em ciência política pela USP e diretor do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da UERJ.

O Deputado Bira do Pindaré destacou os instrumentos que foram utilizados no processo de retorno da direita ao poder. “Sabemos que o recurso principal foram as redes sociais, com a utilização de fake news e manipulação dessas ferramentas para a realização do golpe contra a presidenta Dilma e a eleição de Bolsonaro”, afirmou. “Além disso, a grande mídia associada a representantes institucionais, principalmente do judiciário, criou um contexto e uma atmosfera que permitiu o avanço das forças de direita. Os tucanos pensavam que iriam assumir esse lugar, mas não contaram com a astúcia da extrema-direita, que tomou esse espaço e conseguiu produzir essa aberração que é o Bolsonaro no poder”, declarou o Deputado Federal.

Ricardo Coutinho questionou então qual seria a agenda-básica que teria a capacidade de fazer com que as pessoas voltassem a acreditar na política e no país. “Para que as pessoas percam essa visão de criminalização da política, para que o país saia dessa situação e que essa agenda, tendo como possíveis tópicos a defesa do Sistema Único de Saúde e da Renda Mínima, se contraponha na prática ao projeto neoliberal”, considerou o ex-governador da Paraíba e presidente da FJM.

Leonardo Boff concordou com a declaração de Coutinho e complementou que a agenda básica é a de salvar vidas. “Significa recuperar as instituições que podem atender a todos. Se não tivéssemos o SUS, a pandemia traria uma mortandade tremenda ao país. Completo dizendo que a sociedade deve colocar a economia a serviço da vida em toda sua multiplicidade, e isso implica a coragem de afastar esse que mais ameaça a existência dos brasileiros, o atual presidente, que não tem a capacidade de cumprir o primeiro dever de um chefe de Estado: cuidar da vida de seu povo”, expressou Boff.

Emir Sader pontuou que a vida dos brasileiros está afetada sob duas ameaças: a do vírus e a da fome. E para evitar isso é preciso retirar Bolsonaro do poder pela via que for possível. Sader ainda lembrou que um dos maiores veículos midiáticos do país, o Jornal Nacional, tem divulgado doações de empresários, mas nunca mencionou que a maior organização militante da solidariedade no Brasil é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que produz e dá alimentos àqueles que não tem condições. “Outro exemplo é o dos médicos cubanos, que vão trabalhar no interior dos países mais pobres e hoje se dispõe a estar em qualquer país para prestar assistência no combate à pandemia. São modelos de uma ética internacional que começa a surgir. E afirmo que não vamos sair iguais dessa crise. Ou vai predominar a solidariedade ou vai predominar a luta de todos contra todos”, complementou.

“Hoje a pandemia deu a lição de que o SUS é realmente indispensável e fundamental. A política de renda mínima é outra questão essencial e necessária, e foi preciso uma tragédia como essa pandemia para fazer com que os brasileiros concordassem que essa política é imprescindível”, expressou Bira do Pindaré ao concordar que o combate à desigualdade social deve ser o centro de uma agenda progressista. “Temos também que colocar em nossa pauta a constituição de cidades mais humanas e mais justas. O combate à desigualdade começa nos municípios e para isso precisamos ter atenção às eleições municipais que se aproximam, e ajudarmos na seleção de gestores que tenham essa sensibilidade”, completou.

Ao falar sobre novas influências no mundo, Leonardo Boff faz uma crítica de que há um vazio de lideranças atualmente, porque os principais chefes de Estado foram educados em escolas de administração que não ensinam a administrar o Estado e sim o capital. “Por outro lado, acho que há um movimento da juventude mundial que coloca como centro a questão ecológica – não só como a questão do verde e sim como uma ecologia integral, incluindo ambiente, sociedade, cultura, política e também a dimensão espiritual do ser humano”, pontuou o teólogo.

Bira do Pindaré lembra das recentes mobilizações antirracistas e que elas foram movimentos espontâneos. “Percebo que a questão da luta antirracista deve estar no debate público porque tem um efeito mobilizador e aglutinador. Outro importante movimento recente foi o dos entregadores de aplicativos. Devemos saber interpretar esses movimentos, nos incorporar a esses movimentos e trazer a agenda desses movimentos para a nossa política institucional, porque se não fizermos uma reconexão com as bases da sociedade, não iremos a lugar algum”, esclareceu o Deputado Federal pelo PSB do Maranhão.

Emir Sader, por sua vez, destacou que com o término da quarentena e com manifestações de rua, podemos criar um clima de ‘basta’. “Devemos construir uma frente democrática e ampla para primeiro derrubar o Bolsonaro e depois realizar a disputa para saber que política econômica virá”, avaliou o sociólogo.

Ricardo Coutinho disse que algumas frases, que os debatedores colocaram, o encheram de alegrias e de vontade de derrotar esse tipo de ambiente de perseguição em que o Brasil está se tornando, inclusive na Paraíba, onde há uma espécie de Lava Jato medíocre em que a acusação se confunde com difamação. “Quem é militante nesse país se sentiu muito mais vivo hoje. A própria defesa do presidente Lula está processando os acusadores no Conselho Nacional do Ministério Público, está processando os procuradores que efetivamente substituíram as provas por uma narrativa e buscaram condenar na opinião pública, por não conseguir uma condenação correta no judiciário. É inaceitável que se faça a injustiça a partir de narrativas que são a negação do Estado Democrático de Direito”, finalizou o presidente da Fundação João Mangabeira.

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