Publicado 27 de maio de 2024 11:03. última modificação 27 de maio de 2024 11:04.

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“Desigualdade e diversidade são faces da mesma moeda”, diz renomado especialista em opinião pública, no encerramento de curso de formação política do PSB

Com dados concretos e provocações reflexivas, Renato Meirelles ajuda a entender o perfil da sociedade brasileira em relação à diversidade e relação com candidaturas

“Na prática, desigualdade e diversidade são faces da mesma moeda, que precisam ser trabalhadas”, afirmou Renato Meirelles, um dos maiores especialistas em consumo e opinião pública do país, na oitava e última aula do curso de formação política do PSB, ‘Criatividade: Marcas e Marketing do PSB/Eleições 2024 – Comunicação, Conteúdo e Práticas’, nesta quinta-feira (23), via You Tube e Zoom.

Voltado a pré-candidatos (as) a prefeito (a) e a vice-prefeito (a) e à vereança, além de assessores (as), o curso foi mediado pela coordenadora de Comunicação da FJM, Luciana Capiberibe, e com considerações do secretário de Formação do PSB, Domingos Leonelli.

Sob o tema ‘Diversidade: o bônus eleitoral de pertencer a movimentos populares e defender causas identitárias’, Meirelles trouxe aos cerca de 110 participantes de todo o país, muita informação e provocação reflexiva, com base em pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Locomotiva, do qual é presidente, entre outras instituições.

Fundador e presidente do Data Favela e do Data Popular, ele conduziu diversos estudos sobre o comportamento do consumidor emergente brasileiro, sendo autor do livro ‘Um País chamado Favela’, em parceria com Celso Athayde. “O Brasil é diverso. Não tem que se falar em Brasil, sem falar em diversidade, mostrando que dos 203 milhões de brasileiros, há 111 milhões de negros, 103 milhões de mulheres, mais de 18 milhões LGBTs e mais de 16 milhões de portadores de deficiência. “Se não gosta de falar de diversidade, não gosta de falar de Brasil. Brasileiro negro apanha três vezes mais que um branco, mulher negra ouve na entrevista de emprego se vai engravidar. Pensar em políticas públicas é predominantemente pensar em políticas para diversidade”, destacou Meirelles.

Logo de cara, Meirelles foi dizendo: “Acredito que a Terra é redonda e que vacina salva”, iniciando sua aula com audiodescrição. “Sou um homem branco, barba branca, 46 anos, 1,77 m de altura, terceira geração de universitários, portanto pertenço ao topo do privilégio de um país desigual como o nosso.”

Apresentando recortes de pesquisa sobre o perfil da sociedade brasileira em relação à diversidade, o especialista atestou que a escolha de símbolos afasta ou distancia o eleitorado e que a visão de mundo interfere sobre a verdade factual, exemplificando com a opinião de pessoas a respeito de quão positivas ou negativas são estampas camufladas com padrão militar, o verde-amarelo, o vermelho. “Isso revela a necessidade de que as candidaturas fujam das armadilhas eleitorais.”

Em outro recorte, Meirelles apontou que nove a cada dez brasileiros se consideravam de classe média, seja o público da Fundação Getúlio Vargas, seja da comunidade de Heliópolis. “Isso porque se você conhece alguém melhor ou pior do que a sua condição, acha que está na média. Muitas das bandeiras que levam ao identitarismo são fruto das desigualdades.” Prova disso, segundo ele, é que 72 milhões de famílias brasileiras têm renda bruta até R$ 3.255,00. Só 10% tem renda de 10.404,00 ou mais.”

Acesso ao ensino superior – A desigualdade também atinge os que têm acesso ao ensino superior. Entre brasileiros de mais de 25 anos, com curso superior, 25% de homens não negros ganham R$ 8.074,00; 10% de homens negros têm curso superior e a renda é de R$ 5.659,00. Já as mulheres não negras são 29% e recebem R$ 5.152,00. A mulher negra soma 15% com renda de R$ 3.741,00 (54% menos que um homem negro com curso superior). “Diversidade está ligada à desigualdade de renda.”

As mulheres dedicam-se de cada cem horas, 71 ao trabalho doméstico; os homens, 29. Houve aumento da autodeclaração da população negra de 2002, quando eram 44%, e em 2022, 55%. Destaque para os lares chefiados por mulheres, que de 25% em 2002 dobraram para 50% em 2022 (quanto menor a renda, maior o número de lares chefiados por mulheres).
Outro dado interessante é que, apesar da tendência de envelhecimento no país, na população de baixa renda, 55% têm menos de 34 anos. A informalidade também predomina neste segmento, assim como a baixa escolaridade. “Onze milhões de eleitores estão nas favelas e são mais otimistas em relação ao futuro.”

Direcionadores estruturais – Renato Meirelles falou sobre os direcionadores estruturais. Um deles são as mudanças demográficas, com o Brasil começando a diminuir de tamanho a partir de 2045 pela redução de fecundidade, de 6 filhos para 1,53 por mulher, chegando agora às classes D e E no Brasil.

Uma constatação interessante para quem ingressa em uma candidatura é que, apesar do crescimento de 35 milhões para 72 milhões de domicílios, caiu de 4,2 moradores para 2,8. Ou seja, há mais domicílios, mas com menos gente morando. “A discussão de votos em família, no almoço, por exemplo, hoje é bem menor”, concluiu.

Mundo do trabalho – O especialista ainda informou que dois de cada dez adultos de 25 anos ou mais têm ensino superior completo e estão frustrados com o resultado dos programas de inclusão dos governos Lula e Dilma, como Fies e ProUni, além de cotas raciais, que permitiram que passassem a ser o primeiro universitário da família. Muitos viraram balconistas em vez de doutor, o ‘status’ e a melhora de vida não foram entregues. Segundo ele, a renda média deste grupo caiu de R$ 6.971,00 para R$ 5.492,00, sendo que os que não possuem essa escolaridade aumentaram sua renda.

Outro fator para acentuar a desigualdade, conforme a empresa de consultoria americana Mc Kinsey, é a Inteligência Artificial, que vai automatizar de 60% a 70% das horas de trabalho, impactando fortemente funções como caixas de supermercados. A exceção fica para os que trabalham com limpeza e cuidadores.

Na consolidação de políticas públicas, o tema renda mínima para o cidadão faz concordarem tanto Lula como Bolsonaro, que defendem fortemente essa bandeira. “Negros são os maiores beneficiários de programas como Bolsa Família. Então, qualquer candidatura que quiser falar sobre Bolsa Família tem que falar sobre empoderamento feminino. Quem defende igualdade de oportunidades tem o dever moral ou pelo menos a inteligência eleitoral de trabalhar com essas pautas, racial e de gênero”, frisou.

Acesso à Internet – Oito a cada dez pessoas no Brasil têm acesso à Internet, porém, o acesso universal somente para classes altas, 95% de seus membros. Já entre os brasileiros de mais de 60 anos, 48%, isto é, metade não acessa. Do total dos 50 milhões de eleitores, 29% são plenamente conectados – com letramento digital e celular adequado, predominando na região Sul, das classes A e B, e brancos; 26% parcialmente conectados; 20% desconectados, e 25% subconectados (analfabeto funcional do passado, hoje o analfabeto digital), sendo 41,8 milhões das regiões Norte e Nordeste, das classes D e E, negros.

Identidade – Como o brasileiro se enxerga (identidade)? De acordo com o trabalho, gênero, time que torce, idade, música que ouve – quais elementos são importantes para sua identidade? Renato Meirelles contou que em uma pergunta aberta, lideraram as atividades de lazer que gostam. Depois, o seu papel da família. “A direita se apropriou de um conceito de família, mas esse conceito é muito maior do que a propaganda de margarina; tem a ver com a condição de renda, a que classe pertence, que muda por faixa de idade e orientação sexual e religião.

Religião – No tocante ao papel da religião, foi verificado que embora os evangélicos somem 31% dos brasileiros, há 59% de idas ao templo. Mesmo maioria, 50%, os católicos mostram 34% de frequência à igreja, o que revela que o pastor tem muito mais influência sobre o eleitorado que o padre.

Origem – A pesquisa igualmente demonstrou que 89% dos brasileiros têm orgulho de ser quem são – negras e LGBTs têm mais orgulho.

Meirelles lembrou que foi no início de 2000 que começou a ganhar força no Brasil uma discussão pública que reivindicava o reconhecimento da diferença como um conceito importante, tanto quanto classe, para entender as desigualdades no país e poder enfrentá-las. Aos poucos, foram se ampliando e saindo de espaços mais restritos e sobreveio a denominação diversidade.

No entanto, no mundo defesa dos grupos minorizados existe há muito tempo. Entre 1960-70 foi a vez dos movimento sociais. De 1990 a 2000, as empresas reconheceram a importância da inclusão do tema. Já em 2022, surge um novo ”boom”, com o assassinato de George Floyd, nos EUA.

Laços de afeto – O estudo comprova, ainda que os laços de afeto também são diversos – 32% tem familiares e amigos transgêneros, 61% não heteros e 48% com deficiências. “A grande maioria enxerga preconceito contra diferentes grupos.”

Todavia, a compreensão do termo diversidade – apesar de presente – , ainda não é compreendido da mesma forma por todos, com 15% alegando não saber o que significa. “É grande a demanda, mas a forma como a diversidade é apresentada acaba afastando essas pessoas”, alerta Meirelles. Muitos fazem associações espontâneas, atreladas às palavras diferença, pluralidade, respeito aceitação e inclusão.

Outros ligam diversidade a ideologia; obrigação de concordar com visão de mundo; estratégia do comunismo; pensamento da esquerda sem noção; libertinagem; falta de Jesus; palavra bonita que está na moda; é para quem não tenha vergonha na cara. “Isto leva a pensar se diversidade é a palavra ideal para se comunicar com o eleitor médio”, questiona o palestrante.

Sobre se as marcas devem apoiar a diversidade, sete em cada dez aprovaram (72% contra 11%). ”Os opositores são a minoria que xinga na rede social e muitos se pautam pelos ‘haters’. Mesmo em perfis mais conservadores, predomina o apoio às marcas promovam pautas de diversidade.”

Impacto das políticas públicas na vida das mulheres – Em outra pesquisa, do Instituto Ideia, foi apontado que 65% das mulheres se dizem mais afetadas que os homens em ao menos um serviço – hospitais, transporte e postos de saúde, além de segurança e falta de creches, por exemplo.

“Há um viés de análise diferente. Enquanto homens estão mais preocupados com o direito de andar armados, na questão da violência urbana, as mulheres pensam em ter melhor iluminação, combate às drogas nas escolas e ronda escolar intensificada.

A maior parte delas concorda que mulheres deveriam estar melhor representadas na política. “A abordagem não pode ficar no ‘mulher vota em mulher’. Tem que ser: você, que é mulher como eu, sabe da importância de ter creche para levar o que comer para dento de casa, sabe da importância de ter iluminação. Isso aproxima o eleitorado feminino. Entendem melhor do que a família precisa.”

Como mulher decide o voto – Como mulheres decidem seus votos? Candidato que tenha experiência em cargos políticos foi a resposta de 65%, com entregas concretas mais do que somente disputa ideológica. “Quando a deputada Tabata Amaral mostra projetos que foram aprovados, o que conseguiu de benefícios para a cidade, com certeza ela tem mais potencial para conquistar votos.”

O eleitorado feminino valoriza atributos como preocupação com as pessoas; sensibilidade social; capacidade para diálogo; proximidade com o povo e ‘pulso firme’.

Presenças ilustres – A última aula do curso foi acompanhada pela sobrinha-neta de João Mangabeira, que dá nome à fundação, Adriana Mangabeira. Luciana Trindade, secretária nacional do PSB Inclusão, igualmente marcou presença, perguntando a Meirelles o que achava sobre cota para cadeiras legislativas para resolver a representatividade política das pessoas com deficiência. “Sou muito favorável a isso, cotas que possibilitem igualdade de oportunidades no processo eleitoral. Muito ruim anistiar multa para quem não cumpriu cotas. Mas não tenho opinião formada para o Legislativo. Ajudaria, mas além da distorção regional, começaríamos a ter desigualdade enormes em relação aos outros grupos. Não sei se cadeiras para certos grupos trariam maior distensão no voto, é minha dúvida para debate.”

Luciana Trindade revelou que o PSB ingressou com um projeto de lei neste sentido, principalmente para discussão do assunto e trazer visibilidade para o segmento.

Sobre qual outro termo utilizar para substituir diversidade, pergunta da mediadora Luciana Capiberibe, Meirelles respondeu que depende do cenário do público-alvo, de cada candidatura à vereança. “Para os que têm bandeiras destes grupos, sem problema usar a palavra diversidade, trazendo para o concreto essa diversidade, uma mulher vítima de assédio no trabalho ou de piada machista, para que haja o senso de pertencimento pelo preconceito que as pessoas sofrem. Para os outros, o termo pluralidade pode ser usado.”

Ele complementou dizendo que a expressão que mais une os brasileiros, esquerda e direita – ‘cidadão de bem’. “A direita se apropriou, a esquerda ironiza e nos deixamos pautar pelo que os ‘haters’ tentam.”

Ainda em relação a palavras, Meirelles declarou que aborto não une – a maioria absoluta é contrária. Assim, muda a pergunta, sem usar a palavra aborto: A justiça deve obrigar uma mulher estuprada a ter um filho? Segundo o especialista, o tipo de abordagem afasta ou aproxima as pessoas.

“O movimento identitário é um movimento liberal que pertence ao campo progressista. A arte da política é construir maioria, buscar aliados. Do jeito que a narrativa é feita afasta os possíveis aliados, não que precisem ser protagonistas. A visão progressista pressupõe transformações coletivas e problemas estruturais, temos que ter muito cuidado para não cair no discurso liberal de que cada indivíduo resolve a sua própria coisa”, afirmou.

Luciana Trindade agradeceu Meirelles: “Enquanto mulher com deficiência sei o quanto é difícil viver em uma sociedade não acessível, como fortalecer candidaturas de pessoas com deficiência, que são mais caras e muitos partidos não olham como candidaturas com potencial. Você me trouxe vários insights. Voto é constitucional, mas o candidato com deficiência precisa estar lá, é mais vulnerável que o LGTQ que a mulher, que o negro. Ela enalteceu a autorreforma do PSB, que contemplou a inclusão em todos os aspectos.

Curso – No total, o curso abrangeu oito exposições de uma hora e meia cada, com meia hora para debate, realizadas por especialistas nas áreas abordadas. As transmissões, com duração total de 2 horas – 1h30 horas para o/a palestrante e meia hora para debate – foram feitas sempre às quintas-feiras, às 19 horas. O curso teve início em 4 de abril e término em 23 de maio.

Cada especialista enviou um texto de quatro páginas sobre o tema abordado para que seja feita uma publicação como resultado da formação para publicação de um caderno pelo PSB e pela FJM, conjuntamente.

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