Publicado 11 de junho de 2020 20:25. última modificação 11 de junho de 2020 20:25.

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Bolsonaro desconstrói sistema científico nacional

Na teoria e na prática, no negacionismo e no contingenciamento, o “desgoverno” desmonta um sistema poderoso de produção científica construído em décadas de investimentos e governos. É o que criticam SBPC, Academia Brasileira de Ciências e ex-ministros de CT&I.

Na última sexta-feira (5), Observatório da Democracia promoveu mais uma webconferência do ciclo de debates Diálogos, Vida e Democracia, com participação das fundações partidárias Maurício Grabois (PCdoB), Perseu Abramo (PT), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), João Mangabeira (PSB), Lauro Campos-Mairelle Franco (PSOL), Ordem Social (PROS), Claudio Campos (PPL), Astrojildo Pereira (PPS).

O tema do debate foi “O valor da Ciência, da Tecnologia e da Inovação como política de Estado” com coordenação de Alexandre Navarro (vice-presidente da Fundação João Mangabeira e membro da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem), com participação dos convidados Ildeu Moreira (presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência/SBPC), Sergio Rezende (ex-ministro de CT&I) e membro do comitê científico do Consórcio Nordeste, Luiz Davidovich (presidente da Academia Brasileira de Ciências/ABC) e Marco Antônio Raupp (ex-ministro de CT&I).

Para Navarro, é importante pensar como evitar maiores danos ao sistema nacional de Ciência Tecnologia e Inovação que está erodindo. Davidovich destacou a desigualdade existente no Brasil e reforçada no sistema educacional, além disso ele afirmou que desde o início do século passado o País possui uma política de Estado voltada para a Ciência e Tecnologia, “no Brasil desde os primórdios das universidades e da ciência no País começou a se configurar uma política de Estado, que por incrível que pareça, atravessou vários governos, de orientações diversas, que resultou na nossa capacidade hoje de enfrentar com a ciência, uma pandemia como essa que nós estamos enfrentando”.

Rezende lembrou que o presidente atual, em julho de 2019, referiu-se a todos os governadores da região nordeste como governadores “da Paraíba”, de um modo pejorativo, fazendo alusão a como são chamados os nordestinos na região sudeste do Brasil. Logo em seguida, os governadores da região Nordeste, em sua maioria de oposição ao governo federal, decidiram criar o Consórcio Nordeste para se unirem e fazerem frente ao descaso do governo atual. Dentro do Consórcio foi criado o Comitê Científico, que tem reforçado a importância do isolamento social cuja eficácia se baseia na observação científica.

Ildeu de Castro reforçou a apresentação de Davidovch que valorizou a história e a tradição da Ciência no Estado brasileiro e registrou que o número de mulheres a se destacar na área tem aumentado. Ele demonstrou que nos últimos anos  o investimento em Ciência e Tecnologia caiu muito, depois de um período de investimentos intensos, que chegou ao pico dez anos atrás.

Para Raupp o conhecimento científico leva as sociedades humanas a melhor se conhecerem, se organizarem e utilizar os recursos que a natureza oferece, “isso é fundamental, o bem utilizar em benefício próprio os recursos naturais”. O ex-ministro criticou o governo atual,  “vejam, um governo que em plena de pandemia desarticula-se com estados e municípios, promove a eugenia como abordagem para evitar a disseminação do vírus, permite ministros desarticular a atuação do SUS”, afirmou Raupp, que também criticou a postura do presidente com relação à universidade pública.

Em meio a uma “contingência” da gravidade da pandemia, com um desgoverno que se diverte provocando caos em meio a dezenas de milhares de mortes, os cientistas levantaram a bandeira do descontingenciamento de 90% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Ao eliminar quase a totalidade do orçamento do setor, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) promove o desmonte de um complexo e avançado sistema científico, inovador e tecnológico construído desde o início do século XX, que se tornou referência mundial e fator de influência soft power em parceiras bilaterais com mais de 50 países.

Texto de César Xavier/Fundação Maurício Grabois, com alterações.

Conheça dados e números sobre a C&T no Brasil e saiba mais sobre os palestrantes

ALEXANDRE NAVARRO: vice-presidente da Fundação João Mangabeira (FJM), membro da Câmara FGV de Mediação e Arbitragem, foi secretário nacional de Ciência e Tecnologia (C&T), vice-ministro de Integração Nacional e membro do Comitê de Peritos em Administração Pública das Nações Unidas – CEPA/UNDESA  Cada 1% de gasto em P&D gera um crescimento adicional no PIB de 9,92%, incorporação de valor em bens e serviços muito superior ao resultado do desembolso em outras áreas, como Defesa, 0,03% e Infraestrutura, 0,01% (fonte: Levy Economics Institute – EUA, 2017)  O Orçamento Federal de 2020 travou R$ 5,1 bilhões (R$ 0,8 bilhão do ministério de CT&I e R$ 4,3 bilhões do Fundo Nacional de C&T – FNDCT) carimbando-os como Reserva de Contingência, recurso disponível que poderia ser utilizado, imediatamente, para o controle da infecção de Covid-19, ampliando do número de diagnósticos e tratamento de casos  O Brasil contribui à Organização Mundial de Saúde (OMS) 2,9% do orçamento do organismo. Mas deve R$ 167,3 milhões, relativos aos anos de 2019 e 2020 (fonte: Orçamento Federal).

LUIZ DAVIDOVICH: presidente da Academia Brasileira de Ciências – ABC, doutor em Física pela Universidade de Rochester – EUA e membro da Academia Mundial de Ciências (TWAS)  O valor agregado decorrente da aplicação em políticas de P&D com recursos públicos tem como resultado entre 3 a 8 vezes o valor investido e uma taxa de retorno da maior parte dos projetos entre 20% e 50% (fonte: Relatório da União  Europeia,  2015)    R$  25 bilhões destinados ao do Fundo Nacional de C&T não podem ser utilizados para pesquisa, produção de vacinas e medicamentos para o combate à Covid- 19, pois foram caracterizados, nos últimos anos, pelo Orçamento Federal, como reservas para o pagamento de juros e ganhos de capital financeiro  O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tem, historicamente, uma despesa média anual de cerca de R$ 1,25 bilhão, entre bolsas e fomento. O Orçamento de 2019, entretanto, entregou à Agência R$ 330 milhões a menos (fonte: Orçamento Federal).

SERGIO REZENDE: ex-ministro da Ciência e Tecnologia e ex-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, doutor em Física da Matéria Condensada pelo MIT – EUA e professor do Departamento de Física da Universidade de Pernambuco  Investimentos públicos levam a maiores  níveis de investimentos privados, repercutindo no retorno em políticas públicas, ampliação o equilíbrio social e distribuindo dividendos privados (fonte: Relatório da União Europeia, 2015)  É fundamental a ampliação da estrutura física e técnica humana dos laboratórios públicos, a exemplo de Bio-Manguinhos, Farmanguinhos e Butantan, além de estimular empresas nacionais e startups para produção de kits diagnósticos, vacinas, medicamentos e respiradores mecânicos para esta ou para próxima crise sanitária, que virá   Com os  cortes orçamentários o CNPq suspendeu a segunda fase para seleção de bolsistas no Brasil e no exterior destinado a propostas de doutorado e pós- doutorado e o Edital Universal para 5,6 mil projetos de pesquisa, envolvendo 2,5 mil bolsas de várias modalidades (fonte: Orçamento Federal e http://www.cnpq.br/).

ILDEU MOREIRA: presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, doutor em Física pela UFRJ e professor do Instituto de Física da UFRJ  Países do bloco da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE investem, em média, em Ciência e Tecnologia, 2,3% do PIB, duas vezes o gasto brasileiro, de 1,2%. A Coréia do Sul gasta três vezes mais que o Brasil: 3,6% (fonte: OCDE, 2015)

Desigualdades sociais e econômicas são determinantes para aumentar o risco de infecção e morte pelo Covid – 19 (fonte: PUC-Rio)  Enquanto o CNPQ atua na oferta de bolsas de pesquisa científica e tecnológica, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/MEC) realiza a expansão e consolidação do ensino de pós-graduação, áreas distintas do conhecimento, mas complementares, sem sombreamento de funções. Uma, sem a outra, é desserviço ao País.

MARCO ANTONIO RAUPP: ex-ministro da Ciência e Tecnologia, ex- presidente da SBPC e da Agência Espacial Brasileira – AEB, doutor em

Matemática pela Universidade de Chicago – EUA e professor da USP  Entre 20% e 75% das inovações não poderiam ter sido alcançadas sem a contribuição da pesquisa pública, desenvolvida em até 7 anos antes (fonte: Relatório da União Europeia, 2015)  pessoas sem escolaridade tem taxas três vezes maiores (71,3%) de serem contaminadas e morrerem por Covid – 19 que pessoas com nível superior (22,5%)  (fonte:  PUC-Rio)   Reajustadas pela última vez há sete anos (2013), o maior volume, 55% das bolsas, são atribuídas à iniciação científica, para alunos de graduação e ensino médio, variando entre R$ 100 e R$ 400; 20% vão para pesquisadores com mestrados e doutorados (R$ 1,5 mil a 2,6 mil); 20% para bolsas de produtividade, para pesquisadores máster (R$ 1,1 mil a R$ 2,8 mil); 4% fica dividido entre apoio técnico e pós-doutorado em programas específicos (R$ 1 mil a R$ 6,5 mil); e, o restante, 1%, vai para pesquisadores no exterior (até US$ 2,3 mil).

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