Publicado 24 de junho de 2020 15:08. última modificação 24 de junho de 2020 15:08.

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Pense Brasil Virtual busca caminhos para vencer o neofascismo

Há alguns anos o neofascismo tem se feito presente em várias partes do mundo e especialmente no Brasil, que se incorporou às características autoritárias e racistas da nossa formação. Para discutir esse e outros temas importantes para o presente e o futuro do nosso país, a Fundação João Mangabeira (FJM), do Partido Socialista Brasileiro (PSB), realiza semanalmente o Pense Brasil.

A partir do período de isolamento social feito de forma online, o evento convida pensadores contemporâneos para analisar importantes assuntos na busca de diretrizes para a sociedade brasileira. Na última segunda-feira, 22 de junho, o 9º Pense Brasil Virtual teve como tema “A ascensão do neofascismo: balanço e estratégias de superação”. Ricardo Coutinho, presidente da Fundação João Mangabeira, mediou o debate, que reuniu nas plataformas online da instituição o sociólogo e professor titular da Universidade Federal do ABC, Jessé Souza; a doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Margarida Vieira; e Daniel Aarão Reis, historiador e professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF).

“Esse neofascismo fez com que voltemos a observar situações que há muito tempo não vivíamos”, iniciou o debate Ricardo Coutinho. “O tradicionalismo, o negacionismo, e crenças de que a terra é plana, que o vírus da covid-19 é um vírus ameno, formam um voluntarismo messiânico que expõe pouco aprofundamento das ideias. Além disso, o combate às diferenças resulta num fortalecimento muito grande do racismo em suas mais diversas formas. Percebe-se também, no debate público, o machismo, o culto à força e à defesa das armas”, enumera Coutinho.

Para responder quais as razões e os elementos mais evidentes do neofascismo no Brasil e no mundo, a professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Margarida Vieira, disse que essa questão tem a ver com mudanças históricas muito rápidas, ocorridas desde o final do século XX. “Essas mudanças causaram numa parcela da população medo e uma certa dificuldade em compreender o que estava acontecendo. Nesses casos, busca-se às vezes uma resposta única e simples, e essa resposta está muitas vezes na religião – nesse caso, ganham religiões fundamentalistas e visões políticas simplistas, que buscam solucionar os problemas com certas lideranças que aparecem como ‘mito’, pelas quais cria-se uma adoração”, aponta. 

“Um segundo ponto que me parece importantíssimo é justamente a desmoralização da política. A política em grande parte se tornou um negócio, ou seja, os representantes eleitos acabaram se preocupando mais com os ganhos do cargo do que com a representação política e a melhoria de condições de vida da população. Um terceiro ponto fundamental é o predomínio das redes sociais: Hoje uma grande parcela das pessoas se informa pelas redes. Fake news divulgadas por robôs com imensa velocidade atingem um enorme número de usuários e provocam crenças de coisas absurdas. Hoje, em grande parte, as eleições são determinadas por fake news”, completa a professora.

Jessé Souza lembrou que muitos achavam que seria efetivamente impossível alguém como Bolsonaro ser eleito presidente do Brasil. “Foi um fenômeno de uma manipulação irracionalista extremamente bem montada. Profissionalmente, com muito dinheiro e muito ódio. Bolsonaro se explica basicamente da influência por meios digitais em uma população afetada pela desindustrialização – desempregada, frustrada e desesperada. É claro que há uma base de racismo para dividir os cidadãos”, assinala o sociólogo.

Daniel Aarão Reis explica a ascensão de Bolsonaro e da extrema-direita no Brasil com a crise civilizacional no quadro da revolução informática, que aprofundou brutalmente as desigualdades sociais. “Isso tudo foi agravado pela crise de 2008, e quando ela chegou, achava-se que quem pagaria pelos seus custos seriam os especuladores e o capital financeiro, mas na verdade foi a classe trabalhadora e a degradação dos serviços públicos. E com esse quadro internacional, não é à toa que a extrema-direita tem crescido no mundo inteiro”, explica. “No caso brasileiro há outros elementos específicos, como as tradições autoritárias – ocultas nos últimos anos por êxitos democráticos”, completa o professor.

Ricardo Coutinho lembrou que o judiciário brasileiro teve importante participação nessa guerra híbrida – engendrada pela extrema-direita – que influenciou os rumos da política em nosso país, e pediu aos participantes que dividissem qual a visão deles sobre essa forma de influência.

Para Daniel Aarão Reis, determinadas decisões e procedimentos antidemocráticos de parte do judiciário suscitaram movimentos de apoio na parcela reacionária da população. “Nossa democracia precisa ser democratizada, e o judiciário, que deve ser ferramenta dessa reforma, se transformou numa instituição persecutória. É uma aberração jurídica esse instituto da delação premiada: a pessoa não pode acusar a si mesma e isso era um direito consagrado desde a Revolução Francesa”, aponta. “O judiciário é uma corporação cheia de privilégios, e depois de utilizar seus métodos para chegar ao poder, a extrema-direita transformou-o em seu inimigo. Devemos defendê-lo, porém, sem jogá-lo para as mãos de ‘Maias’, ‘Temers’ e ‘Toffolis’. O nosso desafio é que precisamos defender as instituições democráticas, porém, explicitando seus limites”, diz Aarão Reis, lembrando ainda que recentemente o site “The Intercept” revelou as muitas evidências de que o judiciário tinha um grupo de justiceiros que objetivavam apenas executar seus desígnios políticos.

Margarida Vieira concorda que o judiciário tem todos esses problemas, mas enumera nele três ações fundamentais para a derrocada do neofascismo: “No Supremo Tribunal Federal (STF) há o inquérito das fake news e o das manifestações antidemocráticas, que mostram toda uma rede da estrutura bolsonarista. Além desses, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) conseguiu a prisão do ex-assessor de Flávio Bolsonaro e amigo da família, Fabrício Queiroz, em investigação extremamente séria. Concordo inteiramente com todas as críticas que o Daniel fez e deve-se aplicar reformas ao judiciário, mas me parece que nessa conjuntura, essas três investigações são centrais para botar o neofascismo de joelhos”, afirma Margarida.

Jessé Souza, por sua vez, aponta que a Lava Jato não é um fato novo na história do Brasil. A Lava Jato é uma máscara nova de um tipo de dominação sócio-política brasileira brutal, que criminaliza as minorias e criminaliza o sufrágio universal quando diz que o Estado e a política são o lugar da corrupção. As elites brasileiras, por não concordarem com os projetos de política social – ainda que com todas suas limitações, utilizou esse tipo de perseguição contra Getúlio Vargas – e foi o mesmo material usado contra Lula, contra Dilma Rousseff e, nos anos 60, contra Jango. O objetivo sempre foi manter a forma como a elite domina, como ela saqueia. E esse saque precisa ser mantido, precisa ser invisibilizado. O que foi Carlos Lacerda senão exatamente o que é hoje Sérgio Moro, com o apoio dos mesmos órgãos de imprensa e argumentos? A Lava Jato foi uma máfia formada para, extraparlamentarmente, dar um golpe de Estado contra o PT, que até então era imbatível nas urnas”, denuncia Jessé Souza.

O presidente da Fundação João Mangabeira ressaltou que é preciso construir frentes políticas amplas e de todos os setores ditos progressistas, para se contrapor ao neofascismo brasileiro, e, ao concordar, Margarida Vieira completou que elas “devem ser amplíssimas, todos que são contra Bolsonaro e suas milícias dominantes devem se unir. Frentes são momentâneas e depois de derrotado o neofascismo, poderemos formar frentes com outros recortes, com visões políticas mais semelhantes”.

Daniel Aarão Reis crê que Bolsonaro venceu por uma conjuntura de circunstâncias, mas que não representa o Brasil e pode ser derrotado, desde que as esquerdas se organizem. “Da crise atual, é certo que novos movimentos e novas lideranças sociais surgirão, e para obter vitórias, as esquerdas devem pensar criticamente em suas trajetórias”.

“Vejo que existe um incômodo e a pandemia afastou a classe média conservadora, branca, que viu que não tem nada a ganhar com o neofascismo”, completa Jessé Souza. “Temos agora que abranger os mais pobres entre nós e incluir essas pessoas no debate público”.

Margarida Vieira acredita que dentre as demandas diversas do povo brasileiro, os movimentos poderão utilizar as redes sociais de forma nova para a democracia, com espaço para a realização das pessoas, porém a renda mínima é o elemento social primordial para a luta dos diversos movimentos. Em concordância, Ricardo Coutinho completou: “Esse é o grande caminho da política para voltar a falar com as pessoas, representá-las e para elevá-las a um patamar mínimo de vida digna”, finalizou o presidente da FJM.

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