Publicado 8 de abril de 2020 09:41. última modificação 8 de abril de 2020 09:42.

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Pense Brasil: Boaventura de Sousa Santos adverte para importância do Estado nas sociedades contemporâneas durante e depois do Covid-19

Crédito: Divulgação

A Fundação João Mangabeira (FJM), do PSB, realizou nesta segunda-feira, 6/4, a quinta dição do Pense Brasil, que discutiu O Papel do Estado no Combate à Pandemia. Realizado de maneira virtual, o evento contou com uma palestra do professor Boaventura de Sousa Santos, que participou de Portugal, da deputada federal Lídice da Mata (PSB BA) que estava em Salvador, Bahia e com o presidente da FJM, Ricardo Coutinho, que falou desde João Pessoa, na Paraíba. Transmitido via Facebook, Youtube, Instagram e pelo portal da FJM, o evento atingiu durante sua realização cerca de 11 mil internautas.

Boaventura de Sousa Santos é professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison. Ele dividiu sua apresentação em três temas: como chegamos até aqui; como o Estado está enfrentando a crise e o futuro após a pandemia.

Como chegamos até aqui.  

Para Boaventura, “desde o século 19, organizadas em Estados nacionais, a sociedade se orienta por três princípios: do Estado, do mercado e da comunidade. Esses princípios deveriam ter um certo equilíbrio, mas não há. O princípio da comunidade foi sempre muito desrespeitado, hora dominando o princípio do Estado, hora o do mercado. Nos últimos 40 anos estamos sob o domínio do mercado, que hoje é o grande regulador, não só das relações econômicas, mas também das relações sociais e políticas. Tudo isso ocorre, a partir da década de 1980, desde o Consenso de Washington. O mercado passa a considerar o Estado corrupto para enfraquecê-lo e conseguir inverter o sistema de tributação que era progressivo, quem ganha mais paga mais. Também busca tirar do Estado três áreas consideradas as mais produtivas e lucrativas: a saúde, a educação e a previdência. Isso significou privatização.

Apesar do mercado vir diminuindo o Estado, quando chega uma crise, como a pandemia que vivemos hoje, é ao Estado que se recorre para resolver. Como aconteceu em 2008, quando o Estado salvou os bancos e não salvou as famílias. Essa é uma lição que devemos ter nesse momento. Chegamos nessa crise e o mercado desapareceu. A sociedade tem que viver além da bolsa de valores.

O mercado não é a solução. Podemos ter uma economia de mercado, mas não uma sociedade de mercado. Portanto, o Estado é necessário. Nesta crise, players, não necessariamente de esquerda, até governos de direita, recorrem a nacionalizações. Na França, Emmanuel Macron faz uma requisição civil que, se não funcionar, pode haver nacionalização; Donald Trump, nos EUA, evoca uma lei da guerra da Coréia para obrigar a General Motors produzir respiradores.

Portanto, o Estado existe. Recorre-se a ele. Agora o problema é saber se o Estado só serve para esse tipo de emergência. Não, nós temos que começar a pensar de outra forma.

Como o Estado está enfrentando a crise.

Sobre o que os países estão fazendo para encarar a pandemia, “destaco que há uma divisão entre países de direita e de esquerda. Os países de centro esquerda e de esquerda responderam mais rápido à pandemia, como a China, Portugal e Argentina. Do outro lado, Inglaterra, EUA, Itália e Brasil são exemplos de países que responderam com atraso”.

E continua, “a orientação política dos países tem muita influência nesta resposta. Os países de esquerda optaram por proteger a vida e os de direita, por proteger a economia.

O Estado de Emergência para ser democrático, precisa ser limitado. Em Portugal, é renovado a cada 15 dias, na Espanha de três em três semanas. O Brasil vive uma situação extra institucional com o governo que se coloca contra o Supremo Tribunal Federal e contra o Congresso Nacional.

Essa pandemia mostrou a face mais selvagem do capitalismo, o capitalismo de corsários. Temos encomendas de máscaras e equipamentos retidas porque um outro país as comprou. Os Estados Unidos estão impedindo que Cuba receba insumos médicos porque está sob embargo. E se não bastasse, os EUA ameaçam uma intervenção na Venezuela, no meio de uma pandemia.

Isso não ocorre apenas com o governo norte americano. No Brasil, o governo fez uma resolução recentemente para avançar nas terras quilombolas para ampliar a Base de Alcântara.

Os governos sem alma e sem respeito pela vida usam esse momento grave para infligir mais mal às populações já vulneráveis”, afirmou Boaventura.

O Futuro pós pandemia.

“O futuro nos mostra o descrédito total do liberalismo. A ideia do Estado fraco, onde os mercados decidem tudo está completamente desacreditado. Esperemos que definitivamente desacreditado. Os governos de direita, de extrema direita e de ultradireita também estão desacreditados porque não protegem a vida. No momento da crise eles se colocaram ao lado dos que estão mais protegidos e capitalizam a desproteção dos vulneráveis”, disse Boaventura.

Depois da pandemia haverá sacrifícios, mas não pode haver sacrifício sem nenhum tipo de benefício. Porque se não, haverá uma instabilidade total, com saques, uma ingovernabilidade.

“Se quisermos evitar os saques e a instabilidade, teremos que tomar algumas medidas. A primeira é que o capital financeiro tem que ser regulado. O capital financeiro não pode continuar a construir as crises e depois não as pagar. Em 2008 salvaram-se os bancos não as famílias. Hoje estamos tentando salvar os rendimentos das famílias. Os despejos estão proibidos na Espanha e em Portugal”.

“Teremos que aumentar os investimentos em saúde. E vamos ter que aumentar a tributação das grandes fortunas para conseguir esse dinheiro. Haverá um novo conceito de soberania. Não faz sentido que os países minimamente desenvolvidos não produzam os equipamentos necessários. Que não produzam respiradores e luvas. Não é possível que tudo seja produzido na China. Deve haver uma produção de bens essenciais, com regulação do Estado. E também teremos que ter a soberania alimentar.

A informalidade no trabalho tem que acabar, tem que ser minimizada. O Brasil estava no caminho correto dos contratos com carteira assinada. A informalidade impede que os rendimentos cheguem aos cidadãos.

E temos que criar a renda básica. O Brasil já está adiantado, apesar do volume ainda ser baixo. Temos o modelo de Eduardo Suplicy no Brasil, mas a Espanha está muito perto de anunciar a renda básica universal.

O evento

Na abertura, Ricardo Coutinho anunciou que o Pense Brasil Virtual passa a ter edições semanais, às segundas-feiras, para dialogar com essa nova realidade vivida pela sociedade e com as questões do futuro. Coutinho lembrou que todas as edições do Pense Brasil têm publicações digitais, que estão disponíveis no site da FMJ e impressas, nas sedes da FJM e do PSB.

Sobre o Papel do Estado no Combate à Pandemia, tema do debate, Coutinho apontou alguns caminhos para o enfrentamento da crise, “como os investimentos em saúde, ciências e tecnologia; a regulação do capital financeiro, a taxação de grandes fortunas. Questões que estão no debate do PSB e das forças de esquerda. Para o presidente da Fundação, é necessário pensar sobre “a soberania de produção de máquinas essenciais. Há uma década o Brasil produzia plataformas para extrair petróleo há oito mil metros de profundidade e hoje não consegue produzir um respirador mecânico”, afirmou.

Em sua fala, a deputada Lídice da Mata (PSB BA) afirmou que “nós estamos vivendo um retrocesso nas relações de vulnerabilidade. A informalidade na economia, a desigualdade social crescente, as condições de habitação precárias e uma crise na segurança pública, com segmentos da sociedade exigindo uma política de repressão maior e de mais encarceramento”.

“Temos a clareza que a economia precisa servir a vida. Essa pandemia nos mostra que quando o trabalhador para de trabalhar e de produzir, a economia e os mercados não sobrevivem. Eles não sobrevivem sem uma coisa essencial que é o trabalho, que é o trabalhador”, afirma a deputada.

“Nós vamos ter que buscar novos caminhos para sairmos da crise econômica e social, após a crise sanitária. Teremos que retomar a discussão sobre o papel do Estado. Alguns pensadores já afirmam que nós estamos encerrando a chamada fase da vida moderna, que iniciamos uma nova fase de organização da sociedade no mundo”, concluiu Lídice.

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