Publicado 22 de julho de 2020 16:35. última modificação 22 de julho de 2020 16:36.

OUVIR
Notícias

Novas matrizes para o desenvolvimento social e econômico foram discutidas no Pense Brasil Virtual

Projeto que a Fundação João Mangabeira, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), empreendeu para compreender melhor o mundo, a nossa história, e projetar o futuro do país, o Pense Brasil chegou à 13ª Edição Virtual no dia 20 de julho. O objetivo da iniciativa, que antes da pandemia contou com quatro edições presenciais, é oferecer ao povo brasileiro um projeto nacional e qualificar melhor as disputas sociais, políticas e eleitorais.

A edição convidou quatro importantes personalidades para dialogar sobre “As novas matrizes para o desenvolvimento social e econômico nas cidades e no campo”. O evento virtual, aberto e transmitido nas redes sociais da Fundação, contou com a moderação do presidente da FJM, Ricardo Coutinho, e reuniu Laura Carvalho, do departamento de Economia da FEA-USP; Hildete Pereira de Melo da Universidade Federal Fluminense; Leda Paulani, também Departamento de Economia da FEA-USP e o deputado federal Vilson da Fetaemg (PSB-MG).

“A pandemia de covid-19 provocou rupturas no modelo econômico neoliberal hegemônico, que já vinha naturalmente passando por uma crise bastante acelerada e exibindo um certo esgotamento”, afirmou o Presidente da Fundação João Mangabeira, Ricardo Coutinho, ao questionar quais seriam os principais sinais desse esgotamento que podem nos orientar em um cenário pós-pandemia e em uma exequível superação desse sistema.

Laura Carvalho expôs a possibilidade de que um mundo com mais desigualdades e com mais dívidas públicas dê chances de que um grupo de poder possa se aproveitar da situação – como já fizeram no passado – para implementar políticas de cortes drásticos de gastos públicos e de uma aceleração da agenda anterior. “É uma possibilidade, isso está em disputa”, disse Laura. “Mas o que sabemos é que no campo das ideias e no debate das ideias, a pandemia serve para desmontar o discurso que vinha ganhando cada vez mais espaço no Brasil nos últimos cinco anos, de que o Estado deveria sair de cena e deixar para o setor privado a tarefa de alocar os recursos da sociedade. Ficou muito concreta a necessidade de um papel maior do Estado”, completou a livre-docente do Departamento de Economia da FEA-USP.

A professora Hildete Pereira de Melo, da Faculdade de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), concordou que há uma disputa de narrativas. “E ao olharmos a história do Brasil, podemos ver que a pandemia desnudou algo que estava escancarado na sociedade e em curso de forma totalmente acelerada, principalmente na segunda década do século XXI, após o impeachment da presidenta Dilma. Nas três primeiras décadas do século XX também não tínhamos um Estado amortecedor, que atenuasse as crises econômicas. Hoje repetimos essa questão: o Estado acentuou a instabilidade e nós vivemos seguramente a maior crise econômica, ao menos das que temos números”, revelou a professora.

Já Leda Pereira, livre docente do Departamento de Economia da FEA-USP e da pós-graduação em Economia do IPE-USP, lembrou que ao apontarmos que o modelo econômico atual está em esgotamento não significa que ele vá acabar amanhã. “O grau de elasticidade do sistema é muito alto e a história já demonstrou isso. Várias vezes se falou que seria o fim do capitalismo, e a coisa se adapta e vai contornando as dificuldades. Como dizia Marx, ‘vai repondo a contradição em um nível mais elevado’, ou seja, resolve pequenos percalços e repõe a contradição em um nível mais elevado”. Ela explica que os dois principais sinais de que o sistema está em esgotamento é por um lado o crescimento brutal da desigualdade e por outro a questão cada vez mais preocupante do desequilíbrio ambiental. “Já havia sinais de desgaste do sistema. Mas o que vai se suceder daí, tanto pode ser bom, com teorias e posturas que podem ser revistas, como ruins, com a reordenação do mesmo sistema, pois as forças por trás dos interesses que tocaram o processo de acumulação de capital ainda são muito fortes”, manifestou a professora.  

Para Vilson da Fetaemg, deputado federal (PSB-MG) e presidente do PSB em Minas Gerais, deve-se questionar porque os banqueiros têm tanto dinheiro no Brasil e o país é para eles um paraíso fiscal. “E hoje, uma grande preocupação além da pandemia, é a pandemia social: mais desemprego, mais recessão, mais miséria. Algo que sempre estoura no lombo do coitado do trabalhador, que é o mais fraco, aquele que não tem uma bancada forte dentro do Congresso Nacional”, apontou o deputado.

Ricardo Coutinho lembra então do mais recente livro de Laura Carvalho, que se chama ‘Curto-circuito: O vírus e a volta do Estado’, onde ela pontua aquelas que são as funções principais do Estado. “Especialmente naquilo que se refere às proteções sociais e à promoção do desenvolvimento”, continua o presidente da FJM ao pedir que Laura falasse resumidamente sobre essas funções dentro de um país como o Brasil, “onde se descobriu que não se conseguia sequer fabricar respiradores artificiais para poder em tempo mínimo necessário socorrer a sua população”, completou.

“Na verdade, essas cinco funções não esgotam e estão muito longe de esgotar o papel do Estado em uma democracia”, explicou Laura. “A primeira dessas cinco dimensões é a função do Estado com estabilizador da economia, ou anticíclica, que atenua a gravidade de uma crise; Também temos o papel do Estado como investidor em infraestrutura; A terceira função é a do Estado protetor, e a questão sobre qual é a rede de proteção social que precisamos ter no século XXI, dado o mercado de trabalho que temos, com cada vez mais relações precárias e trabalhadores informais; A quarta é a função do Estado prestador de serviços, onde entra toda a discussão e o debate sobre o SUS, mas também o debate sobre educação, que estamos tendo hoje com a questão do Fundeb; Finalmente, a quinta dimensão do Estado, é o de desenvolvimento científico e tecnológico, e essa pandemia nos mostra muito claramente a dificuldade em se realocar a produção de indústrias para produzir insumos médicos, equipamentos e testes necessários, uma vez que na maioria dos casos nem tínhamos na nossa indústria a capacidade tecnológica e criativa de produzir essas coisas em escala”, concluiu.

A professora Leda Pereira denunciou então que a financeirização do Brasil desmantelou diversos setores, inclusive a indústria. “Agora, as condições gerais do capitalismo no mundo – e agravados com a pandemia – estão produzindo algumas mudanças. E para pensarmos em uma economia alternativa, temos que pensar em outro molde institucional, não esse de se beneficiar a riqueza financeira sempre antes de todo o demais”. 

Sobre a questão de gênero, a professora Hildete Pereira de Melo destacou que as mulheres estão no centro da resposta da crise da saúde. “Elas são 63% das pessoas que estão atendendo a população nos hospitais e nos postos de saúde. As mulheres – médicas, enfermeiras e ajudantes de enfermagem – estão no centro da pandemia. Quanto à questão do isolamento social, as mulheres estão penando mais, porque sobrou tudo para elas: do home office às funções de cuidados e educação dos filhos. A pandemia aumentou a desigualdade de gênero no Brasil”, revelou Hildete.

O deputado Vilson da Fetaemg concordou que é necessário combater o machismo no país e aumentar a bancada feminina na Câmara, que ainda é pequena. “Sobre a questão de haver grandes benefícios para banqueiros e especuladores financeiros, lembro que governo é excessivamente generoso com os grandes milionários que tem aqui no Brasil. Tivemos grande dificuldade para votar o Projeto de Lei das micro e pequenas empresas no Pronamp, para que elas tivessem crédito especial, enquanto o ministro Paulo Guedes dizia que tem que ajudar apenas o grande empresário. Sabemos que depois da pandemia, segundo dados estatísticos, mais de meio milhão de micro e pequenas empresas não abrirão mais as suas portas. Quantos milhões de empregos deixarão de ser gerados no Brasil?”, questionou o deputado.

Ricardo Coutinho então lembrou que “esse modelo atual de globalização, de diminuição do Estado e de privatização dos serviços, é algo que foi desnudado na pandemia”, antes de fazer as considerações finais e agradecer aos integrantes por mais uma conferência virtual de qualidade, na qual os participantes puderam debater assuntos de extrema importância para o país e para o mundo da atualidade.  

Compartilhe
compartilhamentos: