Publicado 14 de janeiro de 2022 19:24. última modificação 18 de janeiro de 2022 19:13.

OUVIR
Notícias

Federações partidárias: Quem ganha é a Democracia

por João Beato, Cientista Político, Assistente Técnico da Liderança do PSB na Câmara dos Deputados

A Lei nº 14.208, de 2021, traz para a legislação eleitoral brasileira a possibilidade dos partidos políticos se aliarem em federações partidárias, onde as agremiações integrantes passam a atuar como se fossem uma única legenda por um período não menor que 4 anos. Apesar de o texto ter sido vetado integralmente pelo Presidente da República, o Congresso Nacional corretamente promoveu a derrubada do vetotempestivamente para que a medida já tenha efeito para as próximas eleições.

As eleições de 2022 se apresentam como as primeiras eleições nacionais com vedação às coligações nas eleições proporcionaisdesde a redemocratização, uma vez que a Emenda Constitucional nº 97, de 2017, dispôs que tal vedação somente seria aplicada a partir das eleições municipais de 2020. A citada emenda é mesma norma que introduziu naCarta Magna a cláusula de desempenho partidário, que condiciona o direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão aos partidos que em 2022 obtiverem um mínimo de 2% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, com pelo menos 1% em 9 unidades federativas, ou que elegerem pelo menos 11 Deputados Federais distribuídos em ao menos um terço das unidades federativas.

Diante dessa conjunção de fatores,o advento das federações tem sido apontado diversas vezes como último recurso para os partidos menores superarem a cláusula de desempenho, ou, em outras palavras, para garantirem a própria sobrevivência, uma vez que o não cumprimento da exigência incorrerá na subtração de recursos essenciais às atividades partidárias.

É fato que as condições para a superação da cláusula de barreira nas eleições do próximo ano estão mais adversas para qualquer partido. Vale lembrar que a linha de corte está mais alta do que em 2018, quando 14 partidos não obtiveram o desempenho mínimo,mesmocom as coligações ainda permitidas. Contudo,apesar da evidente pertinência no aspecto eleitoral, acreditamos que o instituto das federações partidárias não deve ser recebido como simples alternativa às coligações nas eleições proporcionais. Não se trata de mecanismo para a sobrevivência de partidos e sim demecanismo para a sobrevivência da democracia brasileira.

Isso porque a constituição de alianças partidárias na forma de federações culmina noenfrentamentode diversos problemas da nossa democracia.Outros países também dispõem de alianças partidárias que se assemelham ao modelo de federação, uma vez que também pressupõem uma união por afinidade programática. Contudo devemos destacar que possuem natureza jurídica diversa. Mas salienta-se que impactaram positivamente em suas respectivas democracias. Podemos citar “A União”, na Alemanha, coalizão que atua como uma só agremiação no Bundestage tem como maior líder a chanceler Angela Merkel;e a Frente Ampla, no Uruguai, que elegeu José Mujica para a presidência do país em 2009.

Atualmente, encontram-se 33 partidos registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral– TSE. Cerca de 24destestêm representação na Câmara dos Deputados. É pacífico o entendimento de que a alta fragmentação partidária dificulta a governabilidade. Uma vez que os partidos se aliam visando se fortalecerem para a disputa eleitoral, e que a partir de agora essa união deverá ser mantida por toda a legislaturaatuando como se fosse uma única legenda, o advento das federações de partidos se apresenta não só como instrumentogarantidor do preceito constitucional do pluripartidarismo e do pluralismo ideológico, como também viabiliza a governabilidade.

É importante destacar que embora as coligações nas eleições proporcionais estejam vedadas, as coligações nas eleições para os cargos do executivo continuam permitidas. Não é incomum que um partido integrante de determinada coligaçãoderrotada nas eleições majoritárias, no dia seguinte ao pleito, já inicie um movimento para compor a base do futuro governo, da qual por todo o processo eleitoral era oponente. Ao se configurar como uma “aliança total”, os partidos federados estarão atrelados nas eleições majoritárias, nas eleições proporcionais, e no papel que desempenharão nos próximos 4 anos, seja como base ou como oposição. Em menores termos, estabelece o enfraquecimento do fisiologismo e fomenta uma reorganização da política.

Diferentemente do que acontecia com as coligações, onde o voto do eleitor em um candidato poderia contribuir para a eleição de alguém de perfil absolutamente diferente e até oposto ao do seu escolhido, as federações estimulam e demandam um alinhamento mais programático eum consequente e desejado fortalecimento de campo ideológico, o que permite melhores contornos ao sistema partidárioe mais clareza ao eleitorado.

Por seu caráter vertical, a constituição de uma federação exigirá a superação de divergências regionais em prol da identidade programática e da proximidade de ideias, sufocando pontos de conflito e desestimulando embates locais. Para que isso aconteça a contento será necessária a aposta no diálogo, a construção de agendas comuns e o investimento na democracia interna das agremiações partidárias, com vistasàconciliação dos diversos interesses.Esse processo tende a fortalecer as estruturas partidárias.

Todo o exercício de construção da federação pode pavimentar o caminho para uma fusão das legendas envolvidas, sem prejuízo do pluralismo ideológico. A experiência pode servir de balão de ensaio para união definitiva das agremiações. A redução do número de partidos é interessante, sobretudo ao substituir um cenário de muitos partidos com pouca representatividade para um cenário com menos atorescom maior representação.

Existe também a expectativa de que a constituição de uma federação acabe por estimular a criação de outras federações, visando a manutenção do equilíbrio de forças, assim como acontecia com as coligações. Dessa forma, a inovação legislativa deixará de ser uma possibilidade para ser uma realidade cada vez mais arraigada na política brasileira.

Por fim, considerando os aspectos abordados e seus reflexos diretos e indiretos sobre o sistema eleitoral, sobre o sistema partidário e sobre o sistema político como um todo, acreditamos que o mecanismo das federações partidárias terá impacto profundamente positivo. Quem ganha é a democracia!

Compartilhe
compartilhamentos: